Exijo uma chance para “Pretty/Handsome”
Até ontem, tinha ouvido falar bastante dessa série, vi algumas reviews meio por cima e, eis que ao publicar uma notícia dizendo que “Pretty/Handsome” não tinha um lar, ou seja, depois da exibição do piloto pelo canal pago FX, nenhum canal quis os direitos de exibição do programa, nem mesmo o próprio FX, que já exibe “Nip/Tuck” nos Estados Unidos, série do mesmo criador de “Pretty/Handsome”, Ryan Murphy (que se eu visse na minha frente, perguntaria por que ele tanto gosta de nomes com a tal da barra “/”).
Estava com o piloto há alguns dias no PC, mas com toda a empolgação de “Mad Men” e lamentando pelos últimos episódios de “Aliens in America“, não tinha visto ainda. Logo após a publicação da trágica notícia, não tive dúvidas, fui assistir ao tão polêmico episódio.
A começar pelo grande elenco: Joseph Fiennes, Blythe Danner, Carrie-Anne Moss, Sarah Paulson e Robert Wagner. Uma constelação na tela do computador. A química é fantástica, as emoções à flor da pele e cada cena, cada diálogo é de extremo bom gosto. Logo de começo já é possível se familiarizar com o drama de Bob Fitzpayne (Fiennes), que claramente se vê num corpo de homem, quando por dentro, na verdade, é uma mulher aprisionada.
É um tema forte, pesado e que convida os religiosos mais fervorosos e aqueles que adoram censurar programas a fazer passeatas, carreatas com faixas, cartazes e bonecos gigantes (ok, exagerei, eu sei). A polêmica é óbvia, o que faz a série ser única, especial e que, certamente, traz consigo uma história que muitas pessoas vão se identificar.
As cenas são excelentes. A cada situação, Bob — um ginecologista de renome — tem duas escolhas: segue com sua vida mentirosa e mantém seu status na pequena cidade onde todos cuidam das vidas alheias, ou diz a verdade e arca com as consequências. É claro que ele segue sempre pelo caminho mais fácil e sustenta cada mentira com todas as suas forças. Um destaque para isso acontece quando Bob, em uma loja de lingeries, compra um conjunto de calcinha e sutiã e, sem perceber, sua esposa (Carrie-Anne Moss) o observa de longe. Ao chegar em casa, Bob é surpreendido pela esposa, pois ela tem sérias convicções de que ele tem um caso com outra mulher. Ao pedir para ver as roupas de baixo, a esposa fica chocada ao perceber o tamanho das peças íntimas, alegando aos berros que passa cinco dias da semana numa academia para entrar numa roupa justa, enquanto ele a trai com uma plus size?
A volta por cima acontece quando Bob diz que comprou as roupas para ele. Sim, ele mesmo vai usar a calcinha e o sutiã, mas como fantasia da festa de Halloween, onde ele irá customizado de enfermeira e sua esposa será um médico. Desculpas e mais desculpas por parte da mulher ofendida, Bob percebe que, em determinado momento, não será mais possível esconder seu fascínio de comprar roupa íntima de mulher para usá-las.
O diferencial do programa vem com os cortes da realidade para a consciência de Bob. A cada saia justa, como já citado, ele tem duas opções. A primeira (que aparece com filmagens amadoras) é o interior de Bob se sobressaindo, dessa forma, temos a cena do que o médico realmente deveria dizer e/ou fazer; a segunda (de volta à realidade) é o que Fitzpayne realmente faz. Em alguns momentos é até possível enxergar a reação de choque dos presentes quando a consciência de Bob fala mais alto.
Mas a vida de Bob Fitzpayne muda quando, em seu consultório, ele recebe a visita de Mario Wallace (Dot-Marie Jones), um transexual que implora pela cirurgia final de trasngenitalização. Ainda surpreso, o Dr. Fitzpayne não sabe ao certo como reagir e, então, acaba agindo com uma visível discriminação, quando afirma que não pode ajudar o paciente. Decepcionado, Wallace deixa o consultório rumo à sua vida como prisioneiro em um corpo feminino
É nesse momento que Bob enxerga o seu reflexo. É quando ele percebe que as pessoas afetadas pela transexualidade seguem sua vida na luta, na vontade de mostrar quem elas realmente são, diferente do ginecologista que prefere viver dentro de sua bolha recheada de mentiras e frustrações. Ao ser abordado por Christina (Alexandra Billings), a esposa de Mario, o Dr. percebe como ele pode ajudar a mudar a vida de um paciente, além de simplesmente indicar métodos contraceptivos ou realizar um check up. Determinado a ajudar Wallace, Bob precisa enfrentar seu pai, Scotch Fitzpayne (Robert Wagner), um médico conservador que mantém um tórrido romance com sua secretária Regina (Niecy Nash).
Em trancos e barrancos, durante a realização de uma cesariana, o Dr. Fitzpayne Filho confronta o pai e o coloca na parede: ele precisa contar para Bunny (Blythe Danner), mãe e esposa dos médicos, sobre seu caso com Regina. Quando Scotch pede que o filho não se meta na sua vida, ele encerra a discussão proibindo o filho de realizar a cirurgia na “aberração” (Mario Wallace), pois a cidade é pequena e ir adiante com o procedimento não cairá bem no currículo do Fitzpayne Junior.
Mais determinado do que nunca, Bob mergulha no drama do transexual. E a cada visita, a vontade de deixar a mulher aprisionada em seu corpo é imensa e, para Bob, muitas vezes, chega a ser uma tortura quase impossível de lidar. E, para dramatizar ainda mais o caso, o trans descobre que sofre de câncer de ovários e que sua vida está em risco.
Agora, mais empiricamente, vou falar as minhas visões sobre o seriado: primeiramente é preciso aplaudir de pé a iniciativa e a coragem de Ryan Murphy em criar algo tão cru. É certo que um canal aberto jamais vai transmitir o drama, se “Dexter” já causou polêmica, “Pretty/Handsome” causaria um apocalipse. A luta pela busca daquilo que uma pessoa transexual realmente quer é apontada como algo sentimental, pessoal, um conflito interno entre corpo de homem e alma de mulher (ou vice-versa). É devastador perceber como é difícil viver uma mentira, viver dentro daquilo que foi imposto pela sociedade tradicional e, dessa maneira, passar a vida escondido, com receio de abrir o coração e mostrar quem realmente está por trás daquela carcaça humana.
A crueldade, a frieza como o transexual é tratado chega a ser mesquinha, ridícula, pobre. E isso não é uma mentira, é o mais puro reflexo da sociedade atual: ignorante, pré-histórica e com pavor daquilo que é diferente. É fácil atacar, chamar de freak, quando não estamos sentindo na pele o que é ser diferente e não ter culpa disso. É mais confortante agredir e não aceitar do que perceber como existe a diferença e de como a diversidade está presente. O episódio fecha com uma citação mais do que perfeita: “até a natureza, em sua perfeição, é complicada”.
E são por coisas assim que, visivelmente, “Pretty/Handsome” não terá um teto. É triste! O Showtime que foi o responsável pela polêmica “Queer as Folk” e produz o drama lésbico “The L Word” seria uma boa casa para o programa. Não seria novidade, afinal, suas séries são nuas, cruas e cheias de realismos. Outro lar perfeito seria a HBO, que também merece elogios pela iniciativa em imprimir nos seus programas temas que muitos preferem ignorar.
Sim, eu exijo uma chance para “Pretty/Handsome”.
Vi o Pilot somente agora e fiquei surpreso e irritado por saber que a série não vai ter continuidade por não ter canal interessado na sua produção, e o pior, parece que o motivo é o tema não muito aceito pelos americanos. Pura hipocresia.
Tema interessantísimo, tratado de forma séria e ofende a família americana (na base do sabemos que existe mas não mostramos, só acontece com os outros e nunca na minha família, além de que pode influenciar nossa pura família)
Matar na guerra pode